É preciso entender as origens e o contexto em que o racismo se estruturou na sociedade brasileira. Isto é essencial para estabelecer iniciativas que realmente contribuam para a inclusão e a equidade de pessoas negras no ambiente corporativo. Foi sobre isso que falou o Workshop da Rede ANBIMA de Diversidade e Inclusão realizado no dia 29 de maio para cerca de 160 participantes.
O evento foi conduzido por Guibson Trindade e Ednalva Moura, gerentes do Pacto de Promoção da Equidade Racial. A iniciativa propõe implementar um Protocolo ESG Racial, trazendo a pauta para o centro do debate econômico brasileiro com o objetivo de atrair a atenção de grandes empresas nacionais, multinacionais e da sociedade civil.
O papel das empresas
Dentre os 203 milhões de brasileiros, 56% são pretos e pardos com 27,8% de mulheres negras. No mercado de trabalho, pesquisas indicam que mulheres negras ganham menos que a metade do salário de homens brancos e profissionais negros têm mais dificuldades de conquistar cargos de gestão e liderança.
Para enfrentar essas disparidades nas corporações, são necessários dados que pautem a tomada de decisão. “Criamos o primeiro ‘Índice ESG de Equidade Racial’ (IERR) para ajudar as empresas a melhorarem a diversidade racial no quadro de colaboradores”, explicou Guibson. Já o IERR setorial tem como base os 25 subsetores da economia brasileira para definir o grau de desigualdade racial para os cargos de não liderança, gerência e diretoria, informações que também podem pautar e alavancar políticas públicas.
No caso das corporações, o que se tem percebido é a quase inexistência do uso do investimento social privado para iniciativas voltadas à equidade racial. “Parte das empresas usa leis de incentivo para apoiar projetos de esporte, de cultura, por exemplo. Mas de raça é quase 0%”, ressaltou o executivo.
Muitas companhias adotam a filantropia, ou seja, doação de recursos, tempo e suporte, mas com frequência isso acontece sem regularidade e sem monitoramento. A doação direta é outra forma utilizada para investir em projetos pontuais das comunidades do entorno.
Para que as mudanças aconteçam, de fato, é preciso que o investimento social privado seja direcionado às pautas transformadoras, como o racismo, ancorado na agenda de responsabilidade social da empresa. Isso significa mobilizar recursos para fins públicos, com monitoramento, apoio de uma organização social articuladora para garantir a aplicabilidade dos projetos e, também, para que cheguem ao seus públicos-foco.
“Precisamos que as empresas olhem para os profissionais negros na liderança, porque isso vai mexer nos ponteiros, na economia. Temos de romper as barreiras dos vieses inconscientes, vencer os estereótipos, provocar os líderes e pensar na intersecção para que ambientes diversos favoreçam a construção de uma sociedade melhor que garanta melhores resultados”, ressaltou Ednalva.
História do racismo
Guibson e Ednalva contaram a trajetória histórica do racismo e seus reflexos nos dias de hoje. “A primeira memória que as pessoas têm do fim da escravidão é o 13 de maio de 1888. Para as pessoas negras, 14 de maio é o dia que nunca acabou. Disseram a elas: ‘vocês estão livres. Podem ir’. Mas ir para onde? Trabalhar com o quê? Onde morar? O que comer? Essa situação denota a política pública de segregação de nosso país”, pontuou Guibson.
A abolição deu origem a subempregos, economia informal, empregadas domésticas sem qualquer tipo de assistência, aumento de favelas e cortiços, por exemplo. Criou uma população sem acesso aos direitos básicos, como educação e saúde. Ou seja, o racismo foi estruturado ao longo do tempo.
Os executivos contaram que até a fé da população negra era tida como ilegal. Desde 1805, o Brasil classificava rituais diferentes do catolicismo como feitiçaria e crime. A reforma do Código Penal em 1942 pôs fim à criminalização da umbanda e do candomblé, mas a intolerância religiosa é uma realidade até hoje.
Cotas e ações afirmativas
As manifestações do movimento negro, iniciadas em 1931, com a Frente Negra Brasileira, e a criação de instituições, como Fundação Cultural Palmares, ajudaram a dar luz à questão racial, mas iniciativas mais efetivas contra o racismo demoraram a acontecer.
É o caso da Ação Interministerial para a Valorização da População Negra, em 1995, no governo de Fernando Henrique Cardoso, a criação da Seppir (Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial) e a promulgação da Lei 10.639/03, em 2003, que tornou obrigatório o ensino sobre história e cultura afro-brasileiras na educação básica.
A implementação de cotas raciais, para diminuir as desigualdades socioeconômicas entre negros e brancos brasileiros, data de 2006 – nos Estados Unidos elas surgiram em 1960. Ações afirmativas no Brasil, como 20% de vagas para pessoas negras em concursos públicos e reserva de vagas nas universidades, são conquistas mais recentes.
Essas iniciativas trouxeram resultados como a inclusão de mais pessoas negras em faculdades e empresas, mesmo que ainda distante da representatividade da sociedade. As ações afirmativas compõem uma política de transitoriedade, porque são mecanismos que podem ajudar a mudar esse cenário e estabelecer relações sociais e profissionais mais igualitárias. Quando as desigualdades são vencidas, elas não são mais necessárias.
Participe da Rede
A Rede é uma plataforma que fomenta a diversidade, equidade e inclusão nos mercados financeiro e de capitais. O foco das atividades são profissionais que atuam em instituições financeiras nas áreas de gestão de pessoas, sustentabilidade, diversidade e inclusão ou que tenham poder gestor para promover a transformação dentro das casas. A Rede está aberta a qualquer instituição, associada ou não à ANBIMA. Para participar, basta preencher este formulário.
Conheça o ANBIMA em Ação
Essa iniciativa faz parte da agenda estruturante do ANBIMA em Ação, conjunto das principais atividades da Associação para 2023 e 2024. Esse planejamento estratégico foi elaborado a partir de uma ampla consulta aos nossos associados, instituições parceiras, reguladores e lideranças da ANBIMA. Confira aqui as nossas quatro grandes agendas de trabalho: Centralidade do Investidor, Desenvolvimento de Mercado, Agenda de Serviços e Agenda Estruturante.