Entrevista: falta de diversidade pode levar empresas a negligenciar erros, diz Gilberto Costa

Diretor-executivo da J.P. Morgan falou com exclusividade para a Rede D&I e inaugura série de entrevistas o portal

Notícia 13 de agosto de 2024

O setor empresarial está pronto para liderar a mudança rumo a um futuro inclusivo e equitativo? Foi esse o tema da conversa que tivemos com Gilberto Costa, diretor-executivo da J.P. Morgan. O executivo tratou da evolução do tema, dos impactos da postura norte-americana sobre diversidade no mercado brasileiro, de argumentos para engajar empresas e do que se espera para o futuro da agenda. 

 Gilberto falou com exclusividade ao site da Rede ANBIMA de Diversidade e Inclusão. A entrevista inaugura uma nova série de conteúdo: toda quinzena, entrevistaremos uma personalidade sobre temas quentes da agenda de diversidade e inclusão e o desenvolvimento dessa pauta no mercado de capitais. Participe da Rede e receba os conteúdos em primeira mão no nosso grupo do WhatsApp.  

Confira a entrevista na íntegra: 

ANBIMA: Qual o retrato atual da agenda de D&I no mercado brasileiro?  

Gilberto Costa: Tenho percebido uma evolução gradual no mercado brasileiro em relação à diversidade e inclusão. Inicialmente, o foco estava em questões como inclusão de pessoas com deficiência e presença feminina nas organizações, embora em cargos de liderança fosse raro. Posteriormente, a agenda se expandiu para incluir a comunidade LGBTQIAP+ e, mais recentemente, a questão racial ganhou destaque.  

Em termos de governança e políticas organizacionais, houve avanços significativos, com a implementação de códigos de ética, canais de denúncia e políticas de recrutamento mais inclusivas. No entanto, ainda há um longo caminho a percorrer para que a D&I faça parte integral da agenda de negócios, e não apenas do departamento de Recursos Humanos.  

Olhando do ponto de vista de um filme, há uma evolução. Se você olhar a foto em si, não é a imagem que a gente gostaria de ter como a sociedade. Recentemente, o Ministério do Trabalho divulgou um relatório sobre disparidades salariais, gerando desconforto e reflexões nas empresas. Ou seja, ainda há espaço para discutir estratégias que integrem a D&I ao ambiente de negócios de forma mais ampla, envolvendo todas as áreas da organização. É crucial avançar para além do mero reconhecimento da importância do tema e começar a adotar métricas e metas de médio e longo prazo.  

Qual a sua visão sobre a evolução do tema D&I no mercado financeiro na última década? Estamos evoluindo quando comparados a outros setores?  

Há uma variedade de abordagens. Algumas empresas já estão altamente engajadas em movimentos como o Pacto Global da ONU e o Movimento Mulher 360, demonstrando um compromisso formal e participação ativa nessas agendas. Por outro lado, há empresas que ainda estão nos estágios iniciais de implementação de D&I, sem grupos formais dedicados ou iniciativas concretas de acompanhamento. No contexto do mercado financeiro, instituições como ANBIMA, B3 e Febraban têm desempenhado um papel crucial como agentes catalisadores. Nota-se um avanço particularmente significativo nos grandes bancos e conglomerados e especialmente no segmento de varejo, enquanto outras áreas seguem fazendo progressos mais lentos. 

Quais são as principais barreiras para evolução do tema e os caminhos para superá-las?  

Nossa agenda atual ainda está muito centrada em ações imediatas, como programas de trainee, estágio e certificação para jovens na indústria financeira, por exemplo. No entanto, é crucial lembrar que, como sociedade e como empresas, devemos investir em etapas anteriores. Precisamos direcionar nossos esforços para apoiar jovens que enfrentam barreiras para ingressar na universidade, como aqueles que não têm acesso a recursos educacionais adequados. É essencial também abordar a falta de representatividade de certos grupos em áreas específicas, como o baixo número de mulheres matriculadas em cursos como engenharia. É necessário adotar uma abordagem mais intencional e de longo prazo.  

Os EUA passaram por recentes mudanças legais e pressões políticas que levaram algumas empresas a retirarem o compromisso público com a agenda de sustentabilidade. Você acredita que esse movimento esteja repercutindo no Brasil? Quais são os riscos de uma possível regressão na promoção da diversidade e inclusão no nosso mercado?

O contexto atual nos Estados Unidos, marcado por polarização política e desafios decorrentes das eleições, tem adicionado um grande desafio à agenda de diversidade e inclusão. Essa discussão acabou por chegar ao mercado brasileiro, especialmente impulsionada por organizações com presença internacional. Entretanto, há pontos positivos a serem destacados. O atual governo demonstra intencionalidade em políticas públicas, como evidenciado pelo recente lançamento do relatório pelo Ministério do Trabalho. Além disso, figuras como Tarciana Medeiros, presidente do Banco do Brasil, estão liderando a agenda com discursos intencionais.  

Entendo que não haja expectativas de reversão ou retrocesso, como se costuma dizer. No entanto, tenho observado um redirecionamento de esforços e prioridades em direção à pauta de gênero, que tem ganhado destaque e recursos – às vezes às custas da agenda racial, que ainda enfrenta resistências e debates acalorados na sociedade brasileira.  

Quais argumentos você utiliza para engajar empresas resistentes ao tema nas jornadas de diversidade e inclusão? 

Inúmeros estudos, tanto de consultorias quanto de órgãos reguladores no mercado europeu, evidenciaram que a falta de diversidade de pensamento pode levar as empresas a negligenciar erros em diversos aspectos, como em produtos, controle e estratégia. Ambientes mais diversos propiciam uma variedade de pensamentos e opiniões que podem levar a conclusões mais abrangentes do que grupos homogêneos poderiam alcançar.  

Além disso, a representatividade da sociedade na empresa é crucial. Embora no Brasil a representatividade econômica e financeira da população negra ainda seja limitada em comparação com os Estados Unidos, já há uma presença significativa de mulheres em cargos de liderança. Porém, ainda há setores que precisam evoluir nesse sentido, como os de atacado e de gestão de ativos. Embora haja progresso, ainda não alcançamos o cenário ideal de diversidade que buscamos. 

Você acredita que, daqui 10 anos, a sociedade e o mercado serão mais inclusivos e justos? Sua visão de futuro é positiva? 

Na minha visão, daqui a 10 anos, testemunharemos uma sociedade completamente diferente, impulsionada por diversos fatores, especialmente pela nova geração, que é naturalmente mais diversificada em sua mentalidade. Por exemplo, meu filho trabalha em uma empresa de games, liderando o setor de marketing, e a equipe dele é incrivelmente diversificada e inclusiva. Para eles, isso é apenas parte do ambiente de uma empresa moderna.  

Particularmente, também destaco o impressionante trabalho realizado pela ANBIMA em promover a diversidade e inclusão por meio da Rede. O fato de estarem abertos a outras empresas, mesmo fora do setor financeiro, é um claro indicativo de que essa é uma discussão que diz respeito a todos. Este é um movimento positivo que, ao longo dos próximos 10 anos, começará a render frutos significativos.