A diversidade não é mais uma opção para as empresas – a pauta tem se tornado um imperativo nos negócios, pois é fator-chave para impulsionar o desenvolvimento econômico. Essa é a análise de Alexandre Kiyohara, head de Diversidade, Equidade e Inclusão da B3, que falou com exclusividade para o nosso site sobre a evolução do tema no ambiente corporativo.
O executivo também falou dos desafios enfrentados pela agenda de D&I. “Quando analisamos o Brasil, chegamos a um ponto crítico em relação à diversidade. Muitas empresas investiam para se posicionar, mas sem consistência e lastro. Com o tempo, perceberam que não viam retorno imediato e abandonaram as iniciativas”, conta.
Confira a conversa completa:
ANBIMA: De que forma a B3 está induzindo o avanço da diversidade? Quais estratégias vocês estão utilizando para isso?
Alexandre Kiyohara: De 2018 a 2020, dedicamos muito tempo ao benchmarking e à alfabetização, especialmente da alta liderança, preparando o terreno para, em 2021, começarmos a implementar programas e nos consolidarmos nesse aspecto.
Nosso foco foi criar uma base sólida internamente para, então, expandir. Já tínhamos um papel importante na sustentabilidade, pelo ISE (Índice de Sustentabilidade Empresarial), e entendemos que deveríamos também induzir práticas de diversidade. Para serem listadas na B3, as empresas precisam cumprir determinadas regras. Analisando os dados públicos das empresas listadas, observamos uma significativa falta de diversidade. Esse problema ficou mais evidente após a CVM (Comissão de Valores Mobiliários) implementar a Resolução 59, que exigiu a inclusão de informações sobre raça, cor e gênero no formulário de referência obrigatório (documento que todas as empresas de capital aberto devem divulgar anualmente). Os dados revelaram que, das 343 empresas, 327 não tinham nenhuma pessoa preta nos conselhos.
Foi aí que propusemos o Anexo ASG em 2023, um documento com medidas para estimular a diversidade de gênero e a presença de grupos sub-representados em cargos de alta liderança, além de relatar boas práticas ESG (ambientais, sociais e de governança) pelas companhias listadas. O mecanismo ganhou o nome de “pratique ou explique” e exige que as empresas deem transparência ao mercado sobre as ações adotadas ou expliquem sua ausência. Essas evidências devem ser incluídas no formulário de referência, começando em 2025. Nos inspiramos em práticas de outras bolsas do mundo todo para adaptar as melhores práticas ao contexto brasileiro.
Nosso objetivo é alinhar a diversidade das empresas listadas às estatísticas do IBGE, como ter 56% de pessoas negras e 52% de mulheres em ambientes de trabalho. Para isso, sugerimos que, até 2025, as empresas tenham mulheres em cargos de conselho e, até 2026, pessoas de outros grupos sub-representados, como pessoas negras, LGBTQIA+ ou pessoas com deficiência.
ANBIMA: Você percebe uma desaceleração no aumento de mulheres em cargos de liderança? Se sim, quais são suas hipóteses para essa redução?
Kiyohara: Percebo essa desaceleração não apenas com as mulheres, mas com todos os outros grupos sub-representados. O ecossistema de empresas listadas no Brasil é muito pequeno, estamos falando de apenas 343 companhias no relatório do ano passado. Estamos dentro de uma bolha. Quando analisamos o Brasil como um todo, chegamos a um ponto crítico em relação à diversidade. Um exemplo disso é o baixo investimento que tivemos na parada LGBTQIA+ este ano. Muitas empresas antes investiam em diversidade para se posicionar, mas sem consistência e lastro. Com o tempo, perceberam que não viam retorno imediato e abandonaram as iniciativas.
Atualmente, acredito que estamos no momento do “walk then talk” (faça primeiro, depois fale). Se não houver ações consistentes, não haverá avanços reais para serem comunicados externamente. Além disso, a falta de inclusão é um grande problema. As empresas avançaram na representatividade, contratando mais pessoas de grupos diversos, mas sem focar na inclusão. Isso leva a um alto turnover (taxa de rotatividade dos funcionários), com empresas competindo pelas mesmas pessoas sem criar um ambiente inclusivo e propício ao desenvolvimento.
Estudos, como o da GPTW (Great Place To Work), mostram que houve um boom na diversidade entre 2019 e 2021, mas desde 2022 vemos queda. Muitas empresas retiraram investimentos e o cenário externo contribui para isso, como o backlash (movimento contrário) ESG nos Estados Unidos, que tem um impacto aqui. Estamos num momento em que a falta de consistência e foco na inclusão fazem com que a diversidade não apresente os resultados esperados. Sem um ambiente sólido e inclusivo, a diversidade parece gerar mais problemas do que soluções, levando empresas a desistirem de suas iniciativas.
ANBIMA: Conte-nos mais sobre o movimento walk then talk.
Kiyohara: Tudo começa dentro de casa. O lastro precisa ser criado internamente, porque, sem olhar para dentro, não temos história para contar externamente. O walk then talk representa uma mudança significativa na abordagem das empresas em relação à diversidade e inclusão. Ao contrário do tradicional walk “the” talk (faça o que você diz), que enfatiza alinhar ações com discursos, o walk then talk propõe que as ações concretas devem preceder a comunicação. Isso garante autenticidade e impacto real, evitando promessas vazias e construindo credibilidade.
Em resumo, ele não só fortalece a imagem da empresa, mas também promove um ambiente de trabalho mais inclusivo e inovador. Ao adotar essa abordagem, as empresas não apenas mitigam riscos, mas também se posicionam como líderes na promoção de mudanças significativas.
Voltando à pauta central, como podemos quebrar o ciclo da narrativa que coloca diversidade e meritocracia como antagônicas?
É fundamental investir em um constante letramento das pessoas dentro das empresas. Isso significa manter a diversidade como um pilar explícito da cultura corporativa e comunicar de forma clara e contínua sobre sua importância e os impactos positivos para o negócio. É necessário adaptar essa comunicação aos diferentes públicos e realidades dentro da organização, considerando o contexto global e local. É fundamental também criar um embasamento sólido que conecte os aspectos acadêmicos da diversidade ao contexto corporativo, garantindo que avancemos de maneira eficaz, assim como vimos com o compliance. A diversidade é transversal, ela atravessa todos os setores e funções da empresa.
Qual sua visão de futuro para a diversidade?
Eu acredito que estamos em um momento de virada de chave, em que há muitas empresas tornando públicas suas metas de D&I a serem atingidas nos próximos anos, o que vai contribuir para a mudança. Também é essencial agir com intencionalidade, e não apenas para sair bonito na foto. Já passou da hora. Não acho que vamos retroceder e enxergo o mundo corporativo avançando muito e induzindo o público. A iniciativa privada faz com que a pública muitas vezes ande também. Nossa responsabilidade é induzir mudanças e cuidar das pessoas internamente para impactar de forma positiva externamente. Acredito firmemente que a diversidade não é mais uma opção, mas sim um imperativo de negócios que impulsiona o desenvolvimento econômico. Talvez não precisemos mais de uma área específica para diversidade, ela vai se incorporar ao negócio. Estamos entrando em uma nova era, mais consistente e inclusiva.