O mercado financeiro pode ser um ambiente mais árido para a equidade de gênero do que outros setores por diversos fatores, entre eles a necessidade de estar sempre disponível, segundo Carolina Cavenaghi. Ela é fundadora e CEO da Fin4She, plataforma dedicada a conectar e capacitar mulheres no mercado financeiro por meio de ações sobre educação, empregabilidade e independência financeira.
A executiva falou com exclusividade ao site da Rede ANBIMA sobre os desafios para ampliar a presença de mulheres no setor e como as companhias podem contribuir para esse movimento. “É fundamental que as empresas assumam um papel ativo, patrocinando programas de formação, criando parcerias com organizações que oferecem certificações e dando suporte para que essas profissionais se sintam preparadas e pertencentes ao ambiente corporativo”, avalia.
Confira a conversa na íntegra:
ANBIMA: Como o setor financeiro está em relação ao avanço de mulheres para cargos de liderança?
Carolina Cavenaghi: Acredito que o mercado financeiro é ainda mais masculino do que o mercado corporativo em geral e apresenta desafios mais acentuados para a equidade de gênero do que outros setores. Costumo dizer que ele foi criado por homens e para homens. É um ambiente pouco inclusivo e a presença feminina, especialmente em cargos de liderança, ainda é muito recente. Se olharmos para CEOs de bancos, por exemplo, praticamente não existem mulheres nessas posições.
Além disso, há a imposição de muitas exigências não só em termos de qualificação, mas também de linguagem e cultura. É um setor repleto de siglas em inglês e que requer um nível de especialização que, muitas vezes, torna o acesso mais difícil. A pressão por resultados e a necessidade de estar sempre disponível também contribuem para que muitas mulheres não se sintam parte desse ambiente. E quando falamos de representatividade, é evidente que faltam exemplos de mulheres em posições de liderança para inspirar outras a seguirem o mesmo caminho.
ANBIMA: O que você observa de evolução e avanços para as mulheres nesse mercado? E quais são os desafios e barreiras que ainda parecem difíceis de transpor?
Carolina: Ainda vejo poucos resultados práticos, se formos pragmáticos, mas também há avanços significativos. A existência da Fin4She, da Goldenberg ou mesmo de grandes eventos do setor são exemplos disso. Quando começamos, não havia praticamente nenhuma mulher nesses espaços, mas hoje não só estamos presentes, como estamos ocupando o palco para discutir pautas que antes eram inimagináveis para nós.
As empresas também estão mais conscientes da importância de se conectar com movimentos desse tipo e demonstram uma intencionalidade positiva. Mas falta a mudança prática. As pessoas são realmente contratadas e promovidas? Como as empresas lidam com a volta das mulheres após a licença-maternidade?
ANBIMA: Na sua opinião, por que isso ainda acontece?
Carolina: A mudança cultural dentro das empresas ainda é lenta. Há uma vontade de transformação, mas as lideranças não estão totalmente engajadas em tornar essa pauta uma prioridade efetiva, especialmente porque muitas vezes ela não está diretamente ligada a resultados financeiros.
Também vejo a necessidade de uma mudança de comportamento por parte dos homens no mercado. Eles precisam assumir o papel de aliados, considerando que 90% do setor ainda é composto por homens. Não é uma crítica aos homens, mas eles precisam entender que dividir responsabilidades familiares, por exemplo, não é uma fragilidade. A mudança de mentalidade é essencial para avançarmos nesse cenário.
ANBIMA: Como empresas que têm pouca rotatividade e equipes predominantemente compostas por homens brancos podem avançar em diversidade, equidade e inclusão? Que ações podem ser implementadas para promover a representatividade e contribuir com esse movimento?
Carolina: O mercado precisa mudar a mentalidade de apenas contratar quando a formação já está concluída. É fundamental que as empresas assumam um papel ativo, patrocinando programas de formação, criando parcerias com organizações que oferecem certificações e dando suporte para que essas profissionais se sintam preparadas e pertencentes ao ambiente corporativo. Isso pode envolver, por exemplo, a criação de ambientes de trabalho mais acolhedores, onde não apenas o conhecimento técnico seja valorizado, mas também o investimento no desenvolvimento pessoal e profissional.
Um exemplo eficaz é investir em iniciativas de formação e capacitação de grupos sub-representados, como jovens mulheres pretas, oferecendo certificações e mentorias para prepará-las para o mercado. Programas como o da Fin4She são excelentes para capacitar essas profissionais, elas concluem o programa com certificações e integram um grupo que recebe oportunidades de emprego. Hoje, temos um banco de currículos dessas jovens e seguimos acompanhando o impacto do programa em suas vidas.
ANBIMA: Quais orientações você daria para uma empresa do setor financeiro que quer promover maior equilíbrio de gênero, contratar e desenvolver mais mulheres?
Carolina: Eu sempre gosto de reforçar que empresas são feitas de pessoas. Muitas vezes ouvimos que “na minha empresa isso não é uma prioridade”, mas eu pergunto: o que você, como indivíduo, está fazendo a respeito? Precisamos assumir nossa responsabilidade como seres humanos dentro das companhias. Isso começa em pequenas atitudes no dia a dia. Não precisamos esperar que a empresa imponha políticas ou metas, como contratar 30% de mulheres para cargos de liderança. Podemos fazer a diferença em nosso microambiente, contratando, desenvolvendo e dando oportunidades para mulheres, independentemente de políticas formais.
Claro que a responsabilidade corporativa é fundamental, mas acredito que essa mudança também depende de cada um de nós. É preciso ter a intencionalidade de evoluir, de reconhecer a beleza nas diferenças. Homens e mulheres são diferentes, e não estamos buscando igualdade, mas sim uma evolução que nos desafie a sermos melhores e mais inclusivos.
Conheça a Fin4She
A plataforma busca ampliar a inclusão de mulheres no mercado financeiro por meio de duas grandes frentes: educação e desenvolvimento de carreira. Uma das iniciativas é a NET Academy, que oferece programas para atrair, reter e promover mulheres no setor, abordando desde a entrada até a ascensão na alta liderança, que hoje ainda conta com apenas 10% de mulheres. A Fin4She também atua em educação financeira, “Acreditamos que sem independência financeira não há protagonismo feminino”, explica Carolina.
A plataforma oferece ainda eventos como o Women in Finance Summit, que neste ano contou com mais de mil participantes, e organiza imersões focadas em temas relevantes, oferecendo um ambiente seguro para networking e desenvolvimento. Saiba mais no site da Fin4She.