O Brasil vive uma mudança demográfica que, em menos de duas décadas, deixará o nosso país com mais idosos do que jovens. A transformação demanda que as empresas se preparem para incluir profissionais com mais de 50 anos e combatam o etarismo, o preconceito baseado na idade.
Segundo Fran Winandy, especialista em diversidade etária, o mercado de trabalho tende a ganhar com o novo cenário. “Estudos mostram que equipes multigeracionais são mais engajadas, produtivas e alcançam melhores resultados. Clientes de todas as idades esperam empatia por parte das empresas, algo que só pode ser alcançado com a diversidade interna refletida no quadro de colaboradores”, disse a consultora, que falou com exclusividade para o site da Rede ANBIMA de Diversidade e Inclusão.
Confira o bate-papo na íntegra:
ANBIMA: Como o etarismo se manifesta nas organizações e quais são os seus impactos?
Fran Winandy: O etarismo, que é o preconceito baseado na idade, afeta principalmente a velhice devido à valorização excessiva da juventude. Ele se intensifica quando combinado a fatores como gênero e raça, tornando a inclusão de pessoas como mulheres negras e idosas ainda mais desafiadora.
Nas organizações, o etarismo se manifesta em processos de recrutamento e promoção, em que faixas etárias consideradas implícitas para certos cargos podem gerar estranhamento quando pessoas fora desse espectro são contratadas. Por exemplo, uma pessoa que é analista financeira com 50 anos pode ser vista como estagnada, enquanto uma gerente de 60 anos pode ser julgada com base em suposições sobre seu desempenho. O mesmo ocorre com jovens sendo vistos como inexperientes.
Isso revela dois desafios: a resistência a mudanças, com padrões antigos seguidos sem questionamento, e a definição de “experiência”, que muitas vezes é confundida com tempo de serviço em vez de intensidade e atualização de conhecimento. Profissionais mais velhos frequentemente são excluídos de treinamentos e planos de sucessão devido à suposição de que se aposentarão em breve. Mulheres em determinadas fases da vida também podem ser preteridas para promoções.
Outras manifestações de etarismo incluem o estigma de problemas de saúde relacionados à idade, que pode impactar os custos dos planos médicos empresariais.
ANBIMA: Como você avalia o mercado 50+ e o que ainda precisa ser feito para atender melhor esse público?
Fran: Esse mercado é um verdadeiro oceano de oportunidades. No Brasil, são 54 milhões de consumidores que movimentam cerca de R$ 2 trilhões, mas que ainda se sentem ignorados e invisíveis. Faltam produtos e serviços voltados para essa faixa etária, assim como oportunidades de trabalho. O Brasil está passando por uma grande transformação demográfica: dentro de 18 anos, seremos um país com mais idosos do que jovens e mais mulheres do que homens. No entanto, muitas empresas continuam a agir como se ainda fôssemos uma nação predominantemente jovem, o que é alarmante.
Outro ponto importante é a necessidade de preparar os mais jovens para aceitarem o envelhecimento de forma mais natural e saudável. A pesquisa “A Revolução da Longevidade”, da Almap BBDO, revelou que, para muitos jovens, envelhecer bem significa “não parecer velho”, o que cria uma distorção perigosa, impactando diretamente a saúde mental.
Dentro das organizações mais estruturadas existem programas de estágio, trainees e preparação para a aposentadoria. Mas é necessário ir além, por exemplo, criando programas de educação para a longevidade, que promovam o desenvolvimento de todos os profissionais e, ao mesmo tempo, aumentem a lucratividade por meio de ações que agreguem valor à empresa e a todos os stakeholders.
ANBIMA: Quais são as raízes do etarismo dentro das organizações?
Fran: Elas estão nas crenças relacionadas à idade, que alimentam estereótipos positivos e negativos. Por serem generalizações, os estereótipos precisam ser tratados com cuidado, já que mesmo os positivos podem influenciar negativamente nossas decisões.
Imagine um processo seletivo em que dois candidatos preenchem todos os requisitos. Se eu escolher o mais jovem porque acredito que ele terá mais energia ou facilidade com tecnologia, estarei, automaticamente, desqualificando o candidato mais velho com base em preconceitos. Esse tipo de julgamento sem fundamento é o que chamamos de “achismo”.
Vivemos em uma sociedade que valoriza a juventude e o Brasil, historicamente, foi um país jovem. No entanto, a pirâmide etária mudou rapidamente e muitas pessoas ainda não entenderam que essa realidade ficou para trás.
ANBIMA: O mercado de trabalho está mais receptivo aos profissionais seniores, com 50 anos ou mais? Em que estágio de maturidade estamos?
Fran: Ainda há muito a ser feito. Percebo que as vagas disponíveis para esse público, em geral, são mais operacionais. Muitas vezes, servem mais para que a empresa se apresente como inclusiva, especialmente quando o tema social, do ESG (questões ambientais, sociais e de governança), é discutido. No entanto, a prática nem sempre acompanha o discurso.
Muitas empresas não compreendem o impacto das mudanças demográficas no negócio. A escassez de mão de obra jovem é uma realidade global, intensificada pela diminuição das taxas de natalidade e pela competitividade mundial. Já surgem novas formas de contratação, mais flexíveis, como a possibilidade de profissionais seniores atuarem em cargos de liderança por períodos pré-definidos, dividindo o tempo entre diferentes empresas. Isso beneficia a todos.
ANBIMA: Como você percebe a participação de profissionais de diferentes gerações no setor financeiro?
Fran: O mercado financeiro é bem diversificado e a preferência por determinadas faixas etárias varia de acordo com o tipo de atuação. Fintechs buscam profissionais da geração Z devido ao foco em tecnologia, enquanto consultorias e familly offices preferem profissionais de gerações anteriores, que transmitem mais segurança e expertise.
Já os bancos costumam valorizar profissionais mais jovens, associando juventude a talento; em contrapartida, nas áreas de finanças, preferem pessoas mais maduras, especialmente para cargos estratégicos.
O setor está passando por uma transformação cultural, buscando maior diversidade e inclusão, mas ainda enfrenta lida com vieses de gênero, raça, orientação sexual e formação acadêmica.
ANBIMA: Como enfrentar os desafios de um time multigeracional?
Fran: Isso exige estratégias específicas, como revisitar políticas e práticas organizacionais com foco nas questões etárias; criar um ambiente de segurança psicológica em que barreiras geracionais possam ser quebradas; promover treinamentos e letramentos sobre diversidade e inclusão para aumentar a consciência e a empatia entre as gerações; além de implementar programas de mentoria, nos quais profissionais mais experientes orientem os mais jovens, e vice-versa.
ANBIMA: Quais são os benefícios de ter profissionais 50+ nas empresas e como promover essa inclusão?
Fran: São os mesmos observados na diversidade como um todo. Ao incluir profissionais 50+, estamos fortalecendo a integração geracional e ampliando a representatividade. Estudos mostram que equipes multigeracionais são mais engajadas, produtivas e alcançam melhores resultados. Clientes de todas as idades esperam empatia por parte das empresas, algo que só pode ser alcançado com a diversidade interna refletida no quadro de colaboradores. Fornecedores também se beneficiam dessa representatividade, já que também são potenciais clientes.
Além disso, a reputação da empresa é avaliada com base em sua coerência entre discurso e prática, e a interseccionalidade ganha força nas redes sociais. Planos de sucessão que não limitam os critérios etários aumentam a base de talentos e favorecem a continuidade do negócio. No entanto, o tema é complexo e requer uma abordagem estratégica. Ações superficiais não trarão resultados, podem desperdiçar recursos e gerar problemas no médio e longo prazo. Não há uma receita única, e o investimento é essencial para alcançar resultados sólidos.