Se a população preta no Brasil ainda encontra grandes barreiras para ver garantido seu direito a educação e para se encaixar em boas posições no mercado de trabalho, o mesmo acontece com o acesso a recursos dos mercados financeiro e de capitais. Esse foi o tom de alguns dos debates durante a 2ª Conferência Empresarial ESG Racial, realizada pelo Pacto de Promoção da Equidade Racial nos dias 29 e 30 de novembro em São Paulo.
Uma combinação de educação financeira insuficiente e discriminação dessa parcela majoritária da população — os autodeclarados negros e pardos são 56% dos brasileiros — por parte do ecossistema de financiamento forma o principal gargalo para a equidade racial quando o assunto é crédito.
Cacá Takahashi (foto), nosso vice-presidente e coordenador da Rede ANBIMA de Sustentabilidade, destacou que já há algum tempo a Associação percebeu que precisaria se posicionar de maneira mais contundente em relação à promoção da equidade racial — até pelo poder de influência sobre todo o ecossistema do mercado de capitais. “Nos perguntamos como a ANBIMA poderia atuar para acelerar essa agenda, e como parte desse processo decidimos pela criação da Rede ANBIMA de Diversidade e Inclusão”, destacou Takahashi. Criada em 2022, essa Rede é uma plataforma que estrutura iniciativas que educam, instrumentalizam e estimulam as instituições financeiras a trabalhar melhor a agenda de equidade.
Na opinião do nosso vice-presidente, o papel da ANBIMA é também contribuir para sensibilizar e letrar os mercados financeiro e de capitais. “Entendemos que, pela nossa própria posição, poderíamos ajudar a conectar as partes, integrando quem pode trabalhar na agenda da equidade racial”, acrescentou, ressaltando a nossa atuação com parceiros como a B3, a Febraban e a BlackWin — além do próprio Pacto de Promoção da Equidade Racial, do qual somos apoiadores.
A percepção de que o mercado precisa agir de maneira mais estruturada é um dos motivadores, por exemplo, da BlackWin. A plataforma é a primeira no Brasil a conectar mulheres negras que são investidoras-anjo com o ecossistema de inovação e os agentes do mercado de capitais para investirem em negócios liderados por pessoas pretas.
Segundo Jéssica Rios, fundadora da BlackWin, alguns pontos são essenciais para o mercado de capital de risco se alinhar à agenda. Um deles é o olhar para as estruturas internas da perspectiva da equidade racial, de maneira a dar o exemplo (“walk-the-talk”). Além disso, o mercado precisa criar mais produtos financeiros pensando na questão racial, eliminando os critérios que ainda são excludentes para os pretos.
“Os processos de investimento também precisam incluir uma lente de diversidade, tanto para os recursos que ainda serão alocados quanto para o estoque. É necessário criar no Brasil uma tese de investimento racial”, defendeu Jéssica.
Com o apoio da ANBIMA e do ICE (Inovação em Cidadania Empresarial), a BlackWin produziu recentemente o guia “Estratégia de Investimento Inteligente em Diversidade para Instituições e Gestoras de Investimento”.
Índice de diversidade
A B3, outro ente central do ecossistema financeiro brasileiro, contribui para o aumento da equidade racial com iniciativas como a criação de um índice baseado em aspectos de raça e gênero e outros recortes de diversidade, o IDiversa. “É o único índice de ações do tipo na América Latina, servindo de referência para investimentos em empresas que têm um olhar especial para a diversidade”, disse Ana Buchaim, vice-presidente de Pessoas, Marketing, Comunicação, Sustentabilidade e Investimento Social da B3.
Lançado em 2023, o IDiversa tem na carteira 79 ativos de 75 empresas. Segundo Buchaim, o indicador torna-se mais uma referência para os investidores interessados em alocar recursos em companhias diferenciadas em termos do pilar “S” da sigla ESG. Mesmo tendo sido lançado há poucos meses, o IDiversa já tem efeitos concretos, como a criação, pelo Banco do Brasil, de um ETF (fundo de índice) que replica a carteira do índice. Buchaim lembrou ainda que a B3 atuou de maneira próxima com a CVM em 2023 para ter acesso aos quadros funcionais de empresas listadas e poder observar a realidade concreta da inclusão de pessoas pretas entre os colaboradores das companhias abertas.
A questão da equidade de gênero no mercado de capitais também é pauta no BNDES. Por lá, a lição de casa começou internamente — por exemplo, com a adoção de cotas para a população preta nos concursos para cargos no banco. Atualmente, 30% das vagas são reservadas para o sistema de cotas, segundo Thiago Thobias, assessor especial do BNDES.
O banco tem um grupo de trabalho que debate as questões raciais e investe na transformação do Cais do Valongo, área da cidade do Rio de Janeiro a que chegaram da África milhões de escravizados ao longo de séculos. A ideia é fazer dessa região de grande importância histórica uma referência também cultural e antropológica.
Assista à II Conferência ESG Racial na íntegra:
Sobre o Pacto de Promoção da Equidade Racial
O Pacto é uma iniciativa que se dedica a desenvolver um Protocolo ESG Racial que leve essa questão ao centro do debate econômico e às estratégias das empresas. A ANBIMA é apoiadora do Pacto e patrocinou o evento – o fortalecimento das nossas iniciativas de diversidade e inclusão é parte da agenda estruturante do ANBIMA em Ação, conjunto de atividades que elegemos como prioritárias para o biênio 2023/2024.
Conheça o ANBIMA em Ação
ANBIMA em Ação é o conjunto das principais iniciativas da Associação para este e o próximo ano. Esse planejamento estratégico foi elaborado a partir de uma ampla consulta aos nossos associados, instituições parceiras, reguladores e lideranças da ANBIMA e resultou em três grandes agendas de trabalho: Agenda de Desenvolvimento de Mercado, Agenda de Serviços e Agenda Estruturante. Confira cada uma aqui.