“População negra tem potencial de mercado que não é plenamente aproveitado pelas empresas”, diz Guibson Trindade

Cofundador e gerente-executivo da Associação Pacto de Promoção da Equidade Racial fala sobre necessidade de evolução na agenda de diversidade

Notícia 13 de novembro de 2024

A equidade racial pode ser uma forma de potencializar a economia: representando mais da metade do país, a população negra tem um enorme potencial de mercado que ainda não é plenamente aproveitado pelas companhias brasileiras. Essa é a avaliação de Guibson Trindade, cofundador e gerente-executivo da Associação Pacto de Promoção da Equidade Racial. “Estamos falando de negócios, impacto econômico, inovação, criatividade e novas oportunidades de consumo, não apenas de responsabilidade social”, afirma. 

Segundo o executivo, valorizar esse potencial humano pode reforçar significativamente a atividade econômica do país. Ele conversou com exclusividade para o site da Rede ANBIMA de Diversidade e Inclusão e contou sobre a criação do Pacto, o engajamento das empresas, a evolução dos profissionais negros e negras e a questão das mulheres nessa agenda. 

Confira o bate-papo na íntegra: 

ANBIMA: Qual a missão do Pacto de Promoção da Equidade Racial? 

Guibson Trindade: É uma iniciativa que busca melhorar a equidade racial no Brasil por meio da implementação de um Protocolo ESG (ambiental, social e de governança) com foco racial. Para trazer a questão racial para o centro do debate econômico, o pacto envolve grandes empresas nacionais, multinacionais e a sociedade civil.  

O protocolo proposto inclui ações afirmativas, melhorias na qualidade da educação pública e a formação de pessoas negras, promovendo uma maior equidade racial tanto no ambiente empresarial quanto na sociedade em geral. Em vez de apenas criticar o racismo, a iniciativa propõe soluções concretas. Embora possua características similares a políticas públicas, o Pacto não é uma iniciativa governamental, mas sim uma ação da sociedade civil, com a participação de representantes de movimentos negros de todos os estados e do meio corporativo, focando na implementação de medidas efetivas para a promoção da equidade racial. 

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ANBIMA: Como se deu a criação desse protocolo? Houve engajamento das empresas?  

Guibson: Quando o Pacto começou a ser discutido, os 15 maiores CEOs das empresas mais renomadas do país participaram ativamente. Foram necessários dois anos de intensos debates, escuta ativa e troca de ideias para criar um protocolo focado.  

No Brasil, essa agenda foi adaptada para dar ênfase à questão racial, reconhecendo que muitos problemas sociais atuais têm origem no período pós-abolição, quando a população negra foi privada de direitos básicos como educação, saúde e moradia. A contínua negação desses direitos afeta negativamente não só a população negra, mas também a economia e o desenvolvimento do país. Durante os debates, ficou claro que o engajamento de todos os setores era crucial, sem depender exclusivamente de políticas públicas governamentais, que muitas vezes são abandonadas com a troca de governos.  

O protocolo foi constituído envolvendo mais de 200 associados comprometidos com esse movimento coletivo. Um dos maiores desafios foi encontrar uma maneira de mensurar o desequilíbrio racial nas empresas, pois é impossível tratar um problema sem conhecê-lo em profundidade. Para isso, um grupo de economistas negros e negras desenvolveu um algoritmo que auxilia as companhias no diagnóstico e avaliação do racismo em suas estruturas, permitindo ações mais informadas e eficazes. 

ANBIMA: Foi aí que nasceu o primeiro Índice ESG de Equidade Racial do mundo? 

Guibson: Exatamente. Para além desse algoritmo, e para nossa surpresa, o que nasceu foi o índice ESG de Equidade Racial, o primeiro índice global que utiliza dados públicos das próprias empresas para oferecer um retrato detalhado do desequilíbrio racial por nível hierárquico e setor da economia. Isso permite que as empresas se comparem com seus pares e tenham uma referência dentro do seu setor, em vez de depender apenas de estatísticas gerais.  

Esse índice nasceu da necessidade de uma metodologia mais precisa para impulsionar as empresas no desenvolvimento de ações afirmativas. Ele é parte do primeiro pilar do Pacto, que visa levar as empresas a se examinarem internamente e identificarem erros e necessidades de ajustes. O protocolo inclui recomendações de ações afirmativas, como a correção de vieses inconscientes, a implementação de mecanismos de denúncia de racismo e a melhoria do acolhimento de novos profissionais.  

O segundo pilar foca no relacionamento das empresas com a comunidade onde estão inseridas e enfatiza a importância de investir em educação pública e qualificação profissional, permitindo que as empresas contratem talentos locais. Além disso, incentiva as empresas a terem um olhar cauteloso sobre o investimento social-privado, um dos mecanismos mais eficazes para acelerar a pauta racial no Brasil.  

ANBIMA: Como fazer com que as empresas e a sociedade entendam a equidade racial como forma de potencializar a economia? 

Guibson: É importante destacar que o empreendedorismo negro muitas vezes é romantizado, como se fosse uma maneira de oferecer oportunidades às pessoas pretas sem realmente colocá-las em posições de liderança nas empresas. É como se fosse uma caixinha criada para limitar a ascensão delas ao topo das organizações, perpetuando a ideia de que eles não estão habilitados para esses postos, o que é um equívoco.  

Não estamos falando apenas de responsabilidade social, mas de negócios mesmo, impacto econômico, inovação, criatividade e novas oportunidades de consumo. A população negra, que representa 56% do país, oferece um enorme potencial de mercado que ainda não está sendo plenamente aproveitado pelas empresas. Valorizar esse potencial humano pode reforçar significativamente a atividade econômica do país.  

O Pacto de Promoção da Equidade Racial facilita esses diálogos por meio de diversos canais, incluindo a criação recente de um grupo de trabalho de Filantropia Antirracista. Esse GT incentiva as empresas a adotarem uma visão mais cuidadosa e estratégica sobre o investimento social com foco racial. A ideia é que, durante a nossa conferência anual de 2024, seja publicado um referencial para as empresas, destacando essas nuances e mostrando como a equidade racial pode gerar impacto e reputação econômica positiva. Assim, a questão será retirada da “caixinha social” e colocada no centro do debate econômico nacional, mostrando seu potencial para transformar negócios e a sociedade. 

ANBIMA: Como você tem visto a evolução de profissionais negros e negras nos cargos executivos?  

Guibson: Ainda muito tímida. Apesar dos esforços e alinhamento do discurso em relação à necessidade de equidade racial, a prática é lenta e insuficiente. Poucas empresas estão investindo efetivamente na colocação de pessoas negras em posições de média e alta liderança, resultando em indicadores ainda muito baixos. Atualmente, apenas 4% dos cargos de alta liderança são ocupados por pessoas pretas, um número vergonhoso para um país como o Brasil. Na média liderança, o movimento é um pouco maior, mas ainda incipiente.  

Muitas empresas temem que contratar profissionais com foco racial exija desligar pessoas brancas, o que não é o caso. A ideia é criar postos e priorizar a substituição de vagas existentes com olhar racial, corrigindo um gap histórico. 

ANBIMA: Quando falamos das mulheres, é ainda pior. Existe um nível de exigência maior em relação às mulheres em geral, principalmente com as negras. Vocês fazem algum acompanhamento sobre isso? 

Guibson: A situação das mulheres negras é ainda mais crítica. Temos um indicador específico para o desequilíbrio racial por gênero. Quando começamos a trabalhar com as primeiras empresas, ficou claro que a inclusão de mulheres, especialmente negras, era negligenciada. Também temos um programa de gênero dentro do Pacto, que inclui um coletivo de mulheres negras de diversos setores e regiões, compartilhando melhores práticas com as empresas.  

O Fórum Pacto das Pretas, um grupo de mulheres executivas, se reúne anualmente para discutir e provocar as empresas sobre a inclusão de mulheres negras. Além disso, lideranças pretas femininas do Conselho do Pacto trabalham em rede com outras organizações para cobrar políticas públicas que acelerem essa inclusão. Um exemplo é o relatório do Ministério do Trabalho, que faz um recorte por gênero e salário, destacando a negligência em relação às mulheres negras. Essa combinação de monitoramento, programas específicos e colaboração com outras organizações visa trazer mudanças significativas na inclusão de mulheres negras nas empresas, abordando tanto o racismo estrutural quanto a desigualdade de gênero. 

Aprenda sobre ESG e a pauta racial 

Neste mês da Consciência Negra, temos um convite para você: aprender sobre ESG e a pauta racial. O ANBIMA Edu, nosso aplicativo gratuito de educação, tem uma microcertificação sobre o tema, com foco na importância da diversidade e inclusão nas estratégias de ESG nas empresas. É um curso essencial para promover a equidade racial no ambiente corporativo e contribuir para a transformação social em todos os segmentos de trabalho. Compartilhe com as equipes da sua instituição e junte-se a nós nessa jornada! Acesse o app.